terça-feira, setembro 23, 2008

Palavras cruzadas



Gosto de ficar sozinho às vezes. Geralmente penso em muita coisa nessas horas. Ontem li uma frase muito boa sobre isso: "Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia." E pensei nela enquanto caminhava até o metrô nessa manhã, depois de uma longa e boa conversa com uma amiga. Aliás, as reflexões que faço nesse trajeto depois dessas nossas conversas são quase sempre tão boas quanto as próprias conversas.

Eis que pensando no desdobrar do livro adentro o vagão do metrô e me deparo com um sujeito lendo um livro que gostei muito. Imediatamente me lembrei da última frase do livro. E isso é raro, hein? Acho mesmo que é um dos finais mais legais que li. E como se dissesse qual o livro não poderia citar o final, prefiro o contrário:

"Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas defora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco."

Sensacional! E olha que li isso há pelo menos cinco anos... Então comecei a pensar em como essa passagem me marcou e concluí que ela mostra a que grau de degradação pode chegar um porco...

Pois bem. Pensando em como o ser humano se mostra escroto em determinada situação me lembrei de imediato do Ensaio Sobre a Cegueira, do José Saramago, que mostra bem isso... Preciso ver o filme feito pelo Fernando Meirelles com urgência... mas isso é outra história.

Cito aqui o Ensaio porque é o livro que tem dos melhores começos que já li. A idéia era reproduzir aqui o primeiro páragrafo, mas como se trata de Saramago e sua particular pontuação e articulação, vai o trecho:

O disco amarelo iluminou-se. Dois dos automóveis da frente aceleraram antes que o sinal vermelho aparecesse. Na passadeira de peões surgiu o desenho do homem verde. A gente que esperava começou a atravessar a rua pisando as faixas brancas pintadas na capa negra do asfalto, não há nada que menos se pareça com uma zebra, porém assim lhe chamam. Os automobilistas, impacientes, com o pé no pedal da embraiagem, mantinham em tensão os carros,avançando, recuando, como cavalos nervosos que sentissem vir no ar a chibata. Os peões já acabaram de passar, mas o sinal de caminho livre para os carros vai tardar ainda alguns segundos, há quem sustente que esta demora, aparentemente tão insignificante, se a multiplicarmos pelos milhares de semáforos existentes na cidade e pelas mudanças sucessivas das três cores de cada um, é uma das causas mais consideráveis dos engorgitamentos da circulação automóvel, ou engarrafamentos, se quisermos usar o termo corrente.
O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arrancaram, mas logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila do meio está parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a alavanca da caixade velocidades que se encravou, ou uma avaria do sistema hidráulico, blocagem dos travões, falha do circuito eléctrico, se é que não se lhe acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o caso. O novo ajuntamento de peões que está a formar-se nos passeios vê o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do pára-brisas, enquanto os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns condutores já saltaram para a rua, dispostos a empurrar o automóvel empanado para onde não fique a estorvar o transito, batem furiosamente nos vidros fechados, o homem que está lá dentro vira a cabeça para eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa, pelos movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas, assim é realmente, consoante se vai ficar a saber quando alguém, enfim,conseguir abrir uma porta, Estou cego.


É fantástico! Recomendo essa leitura. E como pensei num livro com final DU CARALHO e em outro com começo SENSACIONAL, acabei me lembrando do Machado e entendi finalmente a grandiosidade do homem!

A lembrança não foi à toa. Por ocasião do centenário da morte do escritor tenho lido muito sobre Machado. Aliás, li mais SOBRE o Machado do que li O Machado e definitivamente isso não é um bom sinal...


Um cara que abre uma obra com isso:

Ao verme

Que

Primeiro roeu as frias carnes

Do meu cadáver

Dedico

Como saudosa lembrança

Estas

Memórias Póstumas

E encerra com

Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.


Dispensa comentários, né não?

P.S.: O amigo Valmyr também já citou como abertura predileta a da obra "Memórias Póstumas de Braz Cubas"

Palhaço trapezista


Passou meses pendurado
Com medo de a rede não o aparar
Mas bastou tirarem-lhe a cama
E o palhaço resolveu soltar

segunda-feira, setembro 22, 2008

Presente ideal



Desde garoto fico um pouco nostálgico quando faço aniversário. Sempre fico envergonhado quando as pessoas me dão os "parabéns".
Claro que adoro receber abraços e felicitações dos amigos e parentes, mas sempre fico com vergonha de ter de fazer o outro "se lembrar e ter o trabalho de me parabenizar".

É uma sensação estranha, eu sei. Como disse no post anterior, nesse sábado fiquei mais velho e foi bem legal receber alguns amigos e aparentes que puderam dedicar um tempinho pra aparecer lá em casa.

Nessas horas eu gosto de fazer aniversário, né? Aliás, é mesmo uma bobeira essa sensação. As pessoas te badalando, abrançando e beijando e você ainda se sente "envergonhado"? Que isso..
Sem falar nos presentes, né? Os amigos Bia e Marcelo, por exemplo, me deram um livro Calvin e Haroldo. Adoro ganhar livros (quem não gosta, né?). E gosto de comprá-los também. Entretanto, numa visita à livraria, dificilmente compraria um Calvin e Haroldo. Não que não goste. Pelo contrário. O inventivo garoto e seu intrépido amigo tigre são sempre divertidos e hilários, mas é que o orçamento não permite extravagâncias e sempre há um livro interessante na fila... Você sempre acha melhor gastar com um título "mais sério".

Sendo assim, Calvin e Haroldo é o tipo de livro que se não fosse ganhado dificilmente iria parar na minha estante.

Uma grande bobagem de minha parte. Ainda bem, corrigida pelo casal amigo, que escolheu o presente ideal... E isso se confirmou nas leituras das tirinhas desde sábado...

domingo, setembro 21, 2008

Mesmos hábitos

—Como se sente mais velho?
Perguntou o amigo Hamilton, ontem, dia do aniversário de 32 anos.
—Até me sinto mais velho. Mas não me sinto velho!

Usou o joguinho retórico pra brincar e acabou refletindo a noite inteira sobre isso...
"O que é ser velho?" "E o que é ser mais velho?"

E porque não chegou a conclusão interessante ou plausível, esse astronauta, de fato mais velho desde ontem, resolveu ilustrar o post com foto tirada em uma das últimas missões, num outro momento de reflexão...

quarta-feira, setembro 17, 2008

Nostalgia da modernidade


Revistas costumam comemorar aniversários de décadas com matérias retrospectivas, mostrando o que publicaram ao longo da trajetória. Mas a americana Esquire (essa aqui, ó: http://www.esquire.com/) chegou às bancas comemorando seus 75 anos de existência com uma edição que aponta o futuro. Os caras resolveram mostrar como aparentemente serão as capas e o conteúdo de uma publicação daqui a algum tempo. Em vez de papel e tinta, tecnologia! Já no editorial da publicação o sugestivo título 'O século 21 começou!' Muito interessante!

Não dá pra explicar direito. É melhor assistir ao videozinho aí, encontrado no Blog bacana do Felipe Machado, do Estadão, (esse  aqui ó: http://blog.estadao.com.br/blog/palavra/) e entender! 

O que dá pra perceber é que depois de alguns avanços nós não vamos mais comprar o jornal ou revista. Vamos apenas renovar o conteúdo digital de um suporte parecido com o que aparece no filminho. Veja aí, divirta-se e que venha o futuro, então! Mais dinâmica, menos árvores cortadas, menos lixo nas ruas... 

 

segunda-feira, setembro 15, 2008

The great gig in the sky


Há muito tempo sou um dos que esperam a vinda do Pink Floyd para o Brasil. A história já virou até lenda. Ano após ano surge um boato de que o grupo inglês virá finalmente ao nosso País para um show aguardado por mais 30 anos!
O grupo se separou em 1980 e desde então os fãs brasileiros sonham com uma reunião e uma aparição deles por aqui.
Em 1988, quando a banda - sem o baixista Roger Waters - se reuniu para a turnê "Delicate Sound of Thunder" uma esperança surgiu, mas logo foi apagada. E assim se passaram quase 20 anos e nada de o Floyd se apresentar no Brasil.

Roger Waters esteve aqui com seu 'In the Flesh', aliás, um dos melhores shows que já vi na vida - e olha que não vi poucos shows, hein... Mas ainda assim não era o Floyd. Não era o baterista Nick Mason, concentrado e reto. E nem o charmoso e temperamental tecladista Richard Wright. Muito menos o grande guitarrista David Gilmour empunhando sua linda Fender Stratocaster vermelha com escudo branco. Não era.

Em 2005, praticamente uma gig, como se diz no jargão de músicos, ou seja, uma reunião de músicos sem compromisso, agrupou os caras, com Roger Waters e tudo, para o projeto Live 8.
Apesar da cara visivelmente desconfortável de David Gilmour em dividir o palco com Waters, os comentários começaram a aflorar: o Floyd vai voltar com a formação original! Fogo de palha, que passou, mas ainda deixou os fãs com uma esperança.

Na tarde dessa segunda-feira, quando informei o amigo Sandro - o maior fã de Floyd que conheço! - da morte do tecladista Richard Wright, ele foi categórico, mas ainda assim, com a esperança de um fã: "Que pena! O sonho agora está mais distante."

É assim. Nem a morte de um membro fundador afasta dos fãs a esperança de uma visita do Floyd ao Brasil... Me lembro bem de uma aula de filosofia lá no colégio sobre o conceiro de Morte. Não chegamos a nenhuma conclusão plausível, mas eu aprendi, naquele dia, o significado da palavra inexorável. Quem sabe um show do Floyd por aqui também não seja, digamos, inevitável?

Bom que fosse. Por enquanto, fiquemos com a sensacional "The Great Gig in the Sky", do maravilhoso disco "Dark Side of the Moon". A música é bastante apropriada como homenagem ao tecladista que morreu hoje, aos 65 anos. Além de Richard Wright ser praticamente o solista da música, com seus pianos e teclados, foi exatamente assim que eu o imaginei quando li sobre sua morte: numa grande gig lá no céu...


quinta-feira, setembro 11, 2008

Meninos, eu vi!



Sempre penso nas pessoas que eram jovens ou adultos em épocas de grandes acontecimentos históricos. Deve ter sido sensacional presenciar eventos importantes do século XX, por exemplo. A revolução Russa, o advento do cinema e depois da televisão. Descobertas incríveis da humanidade que mudaram a história pra sempre. Nessas reflexões concluo que raras vezes os observadores da história "em movimento" se dão conta da grandiosidade do fato observado – salvo, claro, aqueles diretamente envolvidos em cada questão.
Bom, sendo de uma geração nascida em meados dos 70, eu tenho poucas lembranças de ter visto nascer coisas REALMENTE importantes para a humanidade. Já falei aqui da espécie de anacronismo que sinto quando considero as coisas que gosto e a época em que nasci. Adoraria, por exemplo, ter sido adulto na década de 80... Tanta coisa legal – o cubo mágico e o hard rock americano, só pra ficar nos mais evidentes – e eu era muito garoto pra curti-las...
Essa sensação de não ver nascer coisas importantes para o mundo tem um pouco a ver com isso.
Mas me orgulho, por exemplo, de ter visto a Internet nascer. Eu faço parte praticamente da primeira geração de usuários – e pude acompanhar o brutal crescimento dessa mídia. Outra coisa legal que vi foi o advento do celular. Sensacional! Mudou mesmo a vida da humanidade. Como disse, não vi a chegada da TV, mas nem ligo. Prefiro a TV de agora, então não penso que tenha perdido muita coisa...
A chegada do homem à Lua sim. Essa eu queria ter visto ao vivo. Deve ter sido mesmo incrível - principalmente para aqueles astronautas, hein? Também presenciei o 11 de setembro, que pensei mesmo ter sido, apesar de trágico, um fato daqueles que mudam a história pra sempre, entretanto, hoje, 11 de setembro, a humanidade parece preferir esquecer esse dia. Nem o New York Times fez referência à data. Olha a capa de hoje: http://www.nytimes.com/indexes/2008/09/11/pageone/scan/index.html

Talvez não seja mesmo uma boa idéia ficar mexendo em feridas, ainda mais essas não totalmente cicatrizadas, como sabemos.

Mas esse não é um post sobre relações internacionais e sim sobre as descobertas e eventos da humanidade que realmente fizeram diferença na história.
E ontem foi o dia de colocar pra funcionar o LHC, o grandioso acelerador de partículas construído entre a França e a Suíça, que deve provocar colisões entre partículas em deslocamento à velocidade da luz e estudar as energias liberadas nessas “trombadas”.
Sou impressionado com a magnitude do projeto: um túnel circular com quase 30 quilômetros e que levou mais de 20 anos pra ser construído. E me excitam os possíveis resultados. A idéia é observar os primeiros “momentos” – microssegundos – após essas colisões, estudar o que pode ser uma simulação do “big bang”, pra descobrir como o universo se comportou nos seus primeiros passos de existência... A busca é pelo chamado Bóson de Higgs, uma partícula inédita e hipotética, de importância inversamente proporcional a isso: ela será a prova do modelo da Física atual. Olha a definição para mortais como nós: http://pt.wikipedia.org/wiki/B%C3%B3son_de_higgs

Desde a primeira vez que li sobre o LHC pensei duas coisas: a primeira é que queria ver isso de perto. Não deu, né? Mas olha o filminho que eu achei mostrando como foram os testes...


A segunda constatação foi que esse LHC poderia abrir um buraco negro que engoliria a própria Terra. Mas aí achei que eu estava mesmo sendo alarmista e paranóico. Ontem, entretanto, fiquei sabendo que esse medo não era uma exclusividade minha. Olha o texto publicado na Folha On Line: www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u443261.shtml

Bom, é isso. O LHC funcionou, partículas colidiram, o bóson de Higgs não pintou, e também não se criou nenhum buraco negro. Mas é assim. No futuro saberemos da importância dessa máquina. O importante é o seguinte: a busca por nossa origem deu ontem um passo gigantesco e eu (e você também) presenciei esse fato.

(Des) agosto se foi...

Finalmente estou de volta a esse espaço do qual me afastei devido às turbulências típicas de agosto. “Mês de cobranças e pagamentos de dívidas” me disse um colega. E ele manja disso... Bom, o importante é que depois da tormenta vem a calmaria. Sempre. E setembro chegou bem... Tirando as variações de temperatura dessa São Paulo, que entre 32 °C durante o dia e 15° à noite praticamente pasteuriza o sangue da gente, tá tudo bem!
É isso. Não é o que diz a canção? “Quando entrar setembro/E a boa nova andar nos campos/Quero ver brotar o perdão...” Ouça aí!