Quando criança, eu costumava passar alguns finais de semana na casa de uns primos, na Cidade Tiradentes, aqui em São Paulo. Éramos todos pré-adolescêntes e me lembro bem de brincar de "beijo, abraço, aperto de mão" com as menininhas lá. Quem comandava a brincadeira era uma vizinha adulta, crente - como dizíamos na época, a respeito dos evangélicos -, que cuidava para que a coisa não passasse de selinhos e apertos leves.
Entre uma escolha e outra, ela aproveitava pra dar aquela 'doutrinada' básica na molecada e eu até gostava. A mulher sabia as passagens bíblicas de cor e salteado e aquelas histórias me impressionavam. David contra Golias, por exemplo, foi por ela que tomei contato e fiquei fascinado com a possiblidade de uma sujeito enfrentar um gigante com uma 'funda', mesmo que somente anos depois fui saber exatamente o que era esse instrumento.
Bom, tudo isso pra falar advinha do quê? Hahaha... De música, é óbvio! Numa daquelas noitadas o radinho de pilha que nos acompanhava na brincadeira começou a tocar uma música bem 'estranha' - o termo aqui tem conotação muuutio positiva.
A introdução era com um piano, fazendo um acorde 'dedilhado', que antecedia a entrada da cantora, com um voz muito, muito aguda, no estílo de música lírica... Era Kate Bush e sua
"Wuthering Heights"
Fiquei paralisado ouvindo aquela melodia. Eis que então a amiga 'crente' saca de seu baú de histórias de inféis e pecadores um comentário sobre a música:
"ó, você não ouça essa música não, porque essa mulher fez pacto com o tinhoso, viu? Ela vendeu a alma em troca do sucesso e você pode ouvir aí, ó, ela falando em 'máster' e 'possessed you', é coisa ruim... Tá falando do demônio"
Alguma menina na brincadeira escolheu o cabra aqui para um abraço, aperto de mão ou um beijo - pensando bem, prefiro lembrar que foi para um beijo - e acabei deixando a música de lado.
Anos depois, já devidamente arrebatado pela deusa música, me deparei com a canção. Comecei a 'ir atrás' de Kate Bush e descobri que a cantora foi amiga de escola de David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd, e por influência e prestígio do amigo junto à gravadora, Kate lançou em 1978 seu disco de estreia, com a famigerada música.
O título é o mesmo nome de um livro, clássico da literatura inglesa, que no Brasil foi traduzido como "O morro dos ventos uivantes". A letra é inspirada no romance, que é o único escrito por Emily Brontë - a trema não caiu, nesse caso! - fiquei imediatamente interessado na obra, mas assim como me desencorajaram lá atrás de ouvir a música, dessa vez foi a respeito do livro que ouvi críticas. Aliás, o tempo e a falta de memória - importância? - tornaram anônimas na minha mente: "É um romance de fresco, história pra mulher, sobre amores impossíveis, no melhor estilo das coleções 'Julia' e 'Sabrina'."
Bastou para eu não querer ler!
Bom, nada como o tempo passando e eis que mais de 15 anos depois eu encontro uma coletânea do Hollywood - aquela mesma de uns posts atrás - e nela, acho que pra completar o CD, porque a música nunca foi do comercial, enfiaram a boa e velha Kate Bush e sua canção.
Há duas semanas, deu-se o fato. No ônibus, às 7h30, ouvi "Wuthering Heigths" no MP3 player e cheguei a pensar: "Qualquer hora, vou ler esse livro". Duas horas depois, a professora fala sobre Rei Arthur e seus comparsas da Távola Redonda, sugerindo um título - "A demanda do Santo Graal", a quem interessar possa - para os alunos que queiram conhecer melhor a lenda e suas variantes. Eis que vou à biblioteca buscar o exemplar e, na prateleira acima da que continha o livro sobre Arthur, estava "O morro dos ventos uivantes". Parecia, inclusive, me esperar.
Foi incrível. A vizinha evangélica dos meus primos diria mesmo que foi coisa de bruxaria!
Peguei os dois. Dei uma lida 'expressa' na "Demanda do Santo Graal" e passei a me dedicadar nas últimas duas semanas à leitura de Emily Brontë. A história da mimada Catherine, seu amor de infância Heatcliff e tudo que rodeou a triste propridade "Wuthering Heigths" é bem bacana! Muito mesmo. Ainda não acabei, mas já entendi porque Kate Bush escolheu o romance para se inspirar e fiquei um tanto chateado por dado ouvido à crítica lá atrás... Malditos críticos...
A tradução de Raquel de Queiroz é coisa fina e enquanto não termino a leitura, vou ouvindo a versão musicada da obra. Se quiser, clica aí embaixo e vai ouvindo também... Nem preciso dizer que recomendo a leitura, né?
quinta-feira, setembro 24, 2009
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2 comentários:
Nesse tipo de post você manda muito bem! É quando mistura suas memórias(por sinal, prodigiosa)com pitadas de literatura, música e comportamento. Ainda bem que você sobreviveu à sua prima da Cidade Tiradentes, que mala!!!
Falando na Kate, depois desse, ela gravou um disco bem lôco, experimental, produzido pelo Peter Gabriel.
Abraços
Cara, obrigado pelo elogio! Prodigiosa é muito bom... Queria 'lembrar' dos números que serão sorteados amanhã na Sena... mas não consigo... hahaha
Abração
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