quinta-feira, novembro 20, 2008

Consciência negra


Canhoto, baixa estatura, pele não-branca, não-católico, filho de nordestina, morador da periferia, simpatizante da esquerda. Sempre gostei de brincar com os amigos - só com aqueles que riem COM O Heverton - que a sociedade não foi feita pra mim. "Eu não pertenço a esse mundo feito para os direitos, de direita, brancos, católicos, de linhagem européia, moradores dos bairros ricos, com suas contas bancárias recheadas e seus sorrisos de plástico". O amigo Marcelo Favalli ria muito comigo dessa piada e sempre gostava de frisar. "Cara, é por isso que te acho um vencedor. Com todas essas adversidades e você conseguiu se formar, virar jornalista e ser um cara bacana". Bom, como eu disse, ele é meu amigo. MUITO amigo, você já deve ter notado - cara bacana?, aff... O mais legal é que eu sempre respondia: "Marcelo, esse esforço que faço não é mérito meu. Isso se chama tentar sobreviver. Ou me esforço ou me fodo. É só isso e é igual pra todo mundo". Mas ele sempre rebatia: "Que nada. Você é um exemplo".
Pois, bem. Tô aqui trabalhando em pleno feriado da Consciência Negra. Acabei lembrando do Obama e de sua eleição magnânima. Isso sim é um exemplo.
Noutro dia li um sujeito dizendo que a comparação de Obama com Lula não faz sentido e que para o americano a coisa foi muito mais - infinitamente - difícil. Eu concordo.
Não bastasse o nome árabe e o islâmico, não bastasse esses nomes serem Obama - muito próximo de Osama - e Hussein - exatamente o mesmo do Saddam - o cara é negro. Negro nos EUA, diga-se. É bem diferente de ser negro no Brasil. As oportunidades e desafios são realmente comuns nos dois países, mas você já ouviu falar de casas incendiadas no Brasil? De criaturas - não vou usar 'gente' de propósito - vestindo capuzes brancos e exalando ódio a negros? Já viu no Brasil alguém dizer que aquele banco do ônibus não é pra negro sentar? Pois é... A coisa lá é (foi?) bem mais áspera.
Outro lance bem impressionante na eleição do Obama é analisar os pontos nos quais o cara pretende (ou esperam que) mexer. Guerra. Cuba. Mataram Kennedy por coisas como essas. E Kennedy era branco.
Mas o Obama tem fibra. Tem garra. Olha onde o cara chegou! Naquelas brincadeiras com o Marcelo, outro que gostava de tirar uma onda era o Chico Prado, amigo querido, ele sabe!. Os dois, brancos demais pra meu gosto - o Marcelo chega a ser transparente -, me chamavam de "negrinho", em tom de farra. SEMPRE pra bater na desconfortável tecla de "ser um exemplo e blá blá blá". Eu dizia que não. E agora posso dizer mais: se queriam um exemplo de superação e obstinação, Obama está aí. E o cara tem a gana... No sangue.
Não é um post pra me comparar ao cara. Longe disso. É um post pra dizer que me identifico com sua coragem diante da provável derrota. Já viu alguma foto dele com o semblante pesado, preocupado? O cara tá sempre sorrindo. Esperemos que depois da posse esse sorriso que transmite tanta confiança permaneça em seu rosto. Admiro o figura. Sorriso na cara mesmo diante do mais desconfortável embate.
Nunca quis ser presidente. Nem dos EUA. Mas Obama não é só isso. Desde que começou a ser notado mundialmente, não li um texto a seu respeito que deixasse de citar sua autobiografia e TODOS. Isso mesmo, todos os textos sempre ressaltavam: "e ele escreve muito bem". Fiquei a fim de ler a tal biografia. Tá na lista.
Por enquanto, Obama é pra mim um exemplo a ser seguido. Não para chegar à presidência. Mas para escrever bem e, principalmente, nunca perder o sorriso da cara.


Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o post! Principalmente a conclusão final, inesperada e emocionante!