Quem já foi a Barcelona diz que a cidade é linda. E que Antoni Gaudi é genial. Com sua vaca profana, Caetano me cantou: “sou tímido espalhafatoso, torre traçada por Gaudi”. Já bastou pra querer conhecer a cidade do artista. Ainda não fui pra lá, mas recentemente a vi pelas lentes de Woody Allen em seu Vicky Cristina Barcelona e ficou entender porque o diretor trocou sua eterna amada Nova Iorque pela pátria catalã. Não que a metrópole americana não seja linda e tenha seus encantos – muitos e muitos, particularmente falando, sem conhecimento de causa.
Deixemos o turismo caro para épocas de vacas gordas – elas virão, tenho certeza! – e passemos ao outro “ismo”: o voyerismo. Sim, essa é uma das sensações quando assistimos ao mais recente filme do diretor americano. Com Penelope Cruz e Scarlett Johansson – em ordem de preferência, sempre! – numa cidade linda e com os diálogos inteligentes escritos pelo diretor. Ah, uma apoteóse ao deleite. Puro voyerismo.
A trama de integência sutil e sensual nos apresenta duas amigas de férias na cidade espanhola, que se envolvem num triângulo amoroso de quatro pontas – lá pelas tantas a figura geométrica pode se tornar o que os matemáticos chamam apenas por polígono.
Vicky, centrada e prestes a casar, sabe exatamente o que quer. Cristina, de olhar sempre perdido e indecifrável, só sabe o que não quer. O pintor Juan Antonio Gonzalo, na pele de Javier Bardem, tem uma invejável sinceridade e disposição para a vida, tão intensa quanto sua maluca e ciumenta ex-mulher Maria Elena, vivida pela sempre linda Penelope Cruz, que surge para colocar Juan no vértice do tal triângulo. Tudo isso tendo como pano de fundo a espetacular Barcelona. É preciso mais? O filme é muito bacana e sutilmente faz o público se identificar não necessariamente com um dos personagens, mas com momentos de cada um.
Dos que querem se entregar numa louca paixão - e todos os riscos nos quais essa palavra implica - mesmo contrariando suas convicções até os que sabem exatamente o que querem. Mesmo que seja por hoje. E só por hoje. Na saída do cinema era só ficar em silêncio para ouvir os comentários. “Ah, eu pareço mais com a Cristina, se bem que ando tão ciumenta que tô mesmo é pra Maria Elena” (...)
A amiga do Tormenta e Calmaria também se identificou. Tá aqui ó: www.tormentaecalmaria.blogspot.com. Normal. Até eu me vi um pouquinho nas frases de honestidade despudorada – e sempre – chocante do pintor Juan.
O filme foi bastante comentado e eu gostei muito. E lembrei que o camarada Hamilton chegou a comentar quando assistiu ao filme: “Cara, como pode uma história dessas sair da cabeça de um tiozinho de 70 anos?” E nesse mesmo papo ele se queixou eu ter dito aqui que Allen era o Bukowski de nosso tempo. Entendo a reclamação, mas quis dizer que origem dos trabalhos dos dois é a mesma. Dois tarados de idade avançada e imaginação singular, que têm como poucos a percepção e compreensão dos anseios do outro – no caso, o público. Mas Woody Allen é um intelectual – é tarado, mas é fino. Um cavalheiro, que usa a privilegiada inteligência para nos transportar a seu universo, que, no fundo mesmo, é o universo de nós todos, mas com muito mais beleza plástica.
E falando nesse quesito, Penélope Cruz está irresistivelmente sexy, Scarlet Johansson é encantadoramente atraente, mas Rebecca Hall é minha predileta. Sua beleza é como a da própria Vicky: enigmática, que passa a impressão de segura e decidida e de que sabe o que quer, mas não se deixa dominar pela lógica. E que, no fundo, se deixa encantar pela vida e corre os riscos que isso pressupõe. E quando à primeira vista você acha que ela é normal, te surpreende a cada novo olhar...