segunda-feira, junho 30, 2008

Segundo Caetano



Conheci Caetano Veloso pela música “Terra”, da abertura do programa sobre ecologia da TV Cultura. Já naquela época, começo da adolescência, 1989 pra ser mais exato, meu pai era fã do programa e cansei de passar tardes de domingo esperando pela voz de Caetano Veloso e seu violão dedilhado que me encantavam. “Terra! Terra!/ Por mais distante/O errante navegante/Quem jamais te esqueceria?

Um pouquinho depois pintou o primeiro toca-discos da minha vida. Uma aquisição inesquecível, somente comparável à compra do LP “Bicho”, meu primeiro Caetano. Nele nem estava a canção tema do programa da Cultura, mas havia uma música que eu tinha ouvido pelo menos uma vez. E tinha ficado encantado. Era a mais perfeita descrição da paixão que já ouvi: “Uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel/Uma mulher, uma beleza que me aconteceu”

Aquilo era fantástico e eu não teria paz enquanto não adquirisse aquele disco. O cara tem de saber muito sobre a paixão para defini-la com tanta exatidão, pensava...

Mas o que sabia eu da paixão naquela época? Sei lá... Mas algo me dizia isso. E mais. Me dizia que o genial baiano tinha acertado na mosca. Unhas negras, íris cor de mel. Perigosa como uma tigresa.

O disco – se você não conhece, tá aqui ó: http://www.badongo.com/file/10138447 – não era propriamente chamativo para um garoto que adentrava no universo roqueiro. O nome “Bicho” e a capa com uma borboleta ou uma maçã partida ao meio - pecado - eram ainda menos empolgantes nessas circunstâncias.

Ao primeiro contato da agulha com o vinil tive certeza que fizera a coisa certa. O contrabaixo suingado e seguido pelos versos de Odara. “Deixa eu dançar pro meu corpo ficar Odara/Minha cara minha cuca ficar Odara”

Uma celebração ao canto. E o disco segue magnífico, celebrando a deusa música como no versos de “Alguém cantando” (“Alguém cantando muito/Alguém cantando bem/
Alguém cantando é bom de se ouvir”
). Na alegre e – não sei por que – nostálgica “Gente”, com suas referências de nomes da época, assim como no refrão da famosa “Um índio” (“Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi/Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi/Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi/O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá que eu vi”)

Um discão! Até a versão de “Olha o menino”, de Jorge Ben, apesar de não contar com o suingue do carioca inventor do samba-rock me encantava. “Eu sou um homem sincero/
Porque nasci cresci e vivo livre/Eu sou um homem sincero/Que quero morrer nascer e viver livre/Olha o menino ui
. Pirava com a coragem de dizer uma frase dessas em plena ditadura militar, em 1977, quando “Bicho” foi gravado. E isso me impressionava mesmo ouvindo quase 13 anos depois, já sem ditadura, mas ainda com homens querendo morrer e nascer livres...

Mas “Tigresa” era mesmo especial. Mexia com o jovem garoto que eu era. Com sua tristeza eterna, o violão peculiar seguido depois por um baixo marcante. E os violinos com piano ao final? Aff...era de querer chorar. De sentir dor sem motivo.

“Esfregando a pele de ouro marrom/Do seu corpo contra o meu/Me falou que o mal é bom e o bem cruel”

A expressão “pele de ouro marron” não me era clara. Não conhecia a paixão...

E também não entendia ao certo o que Caetano queria dizer com “Mas ela ao mesmo tempo diz que tudo vai mudar/Porque ela vai ser o que quis inventando um lugar/
Onde a gente e a natureza feliz, vivam sempre em comunhão”

Mas sabia que ele estava certo. Principalmente porque ao final ele dizia: “As garras da felina me marcaram o coração/Mas as besteiras de menina que ela disse não/E eu corri pra o violão num lamento/E a manhã nasceu azul/Como é bom poder tocar um instrumento”

Conheci a paixão. E Caetano estava certo.

Como é bom poder tocar um instrumento...

Nenhum comentário: